domingo, 24 de abril de 2011

As Três Ecologias ou Ecosofia

O filósofo Félix Guatari expõe, em seu livro "As Três Ecologias" um paradoxo vivido em nossa época que é o crescimento dos recursos técnico-científicos X desenvolvimento do progresso social e cultural. De um lado temos o desenvolvimento contínuo de novos meios técnico-científicos capazes de resolver as problemáticas ecológicas e de outro lado a incapacidade das forças sociais organizadas e das formações subjetivas de se apropriar desses meios para torná-los operativos.

É absurdo tentar voltar atrás para tentar reconstituir antigas maneiras de viver. É necessário lidar com o mundo nas condições em que ele se encontra hoje apreendendo a realidade a partir dos três pontos de vista ecológicos (ambiental, social, individual) ampliados em uma perspetiva ecosófica, pois, não é justo separar a ação sobre a psiquê daquela sobre o socius e meio ambiente.

A multiplicação dos antagonismos no planeta torna a problemática ecológica transversal à outros tipos de conflitos como racismo, feminismo, falocentrismo, etc. Portanto, não se trata mais de fazer funcionar uma ideologia de maneira unívoca e sim, de se debruçar sobre o que poderiam ser os dispositivos de produção de subjetividade no sentido de uma re-singularização individual e/ou coletiva. Reinventar novas maneiras de ser no seio do casal, da família, do trabalho, do contexto urbano, etc.. Tal problemática é da produção da existência humana em novos contextos históricos.

O autor faz votos para que as tomadas de consciência ecológica, feminista, anti-racista, etc., tenham um objetivo maior: os modos de produção da subjetividade, pois, o poder capitalista se desterritorializou infiltrando-se nos estratos subjetivos inconscientes. É imperativo encarar seus efeitos no domínio da ecologia mental cultivando o dissenso e a produção singular de existência situando-se na raiz de novos agenciamentos produtivos.

É importante que, no estabelecimento de seus pontos de referência cartográficos, as três ecologias se desprendam dos paradigmas pseudocientíficos num processo de desterritorialização rompendo com seus encaixes totalizantes e subjugando, assim, seus conjuntos referenciais. As práxis ecológicas se esforçarão em detectar os vetores de fuga potenciais de subjetivação e singularização apelando para outras intensidades a fim de compor outras configurações existenciais.

Nas teorias psicanalíticas contemporâneas o inconsciente permanece agarrado em fixações arcaicas no que se pode chamar de “estruturalização” dos complexos inconscientes, conduzindo a um ressecamento, a um dogmatismo insuportável, a estereótipos que os tornam impermeáveis à alteridade dos sujeitos e consequentemente um empobrecimento das intervenções nos pacientes. Por isso, é necessário um engajamento de todos aqueles que estão em posição de intervir nas instâncias psíquicas individuais e coletivas (através da educação, saúde, cultura, esporte, arte, mídia, moda).

O Capitalismo Mundial Integrado(CMI) tende, cada vez mais, a descentrar seu foco da produção de bens e serviços para as estruturas produtoras de signos, sintaxe e subjetividade através da mídia e da propaganda.


Princípio Comum

O princípio comum às três ecologias consiste em territórios existenciais singularizados em abertura processual capazes de se bifurcar em reiterações estratificadas. Em outras palavras, Guatari propõe a produção da subjetividade dissidente com valor existencial de auto-referência em zonas autônomas que se recriam e se reinventam continuamente e se multiplicam por desterritorialização e reterritorialização.

Princípios Específicos


Ecologia mental:

  • Produção de subjetividade primária; cadeias semióticas trabalhando a serviço de um efeito de auto-referência existencial;

  • Vetores de subjetivação geradores de subjetividade dissidente.

  • Recriar e reconstruir modos de expressão adequados aos territórios existenciais da negatividade, agressão e destruição a partir de novos agenciamentos subjetivos de enunciação.

  • Essa reconstrução não passa por reformas de cúpula, leis, decretos ou programas burocráticos, mas pela promoção de práticas inovadoras, disseminação de experiências alternativas e no trabalho permanente de produção da subjetividade se articulando ao restante da sociedade.


Ecologia Social:

  • Reconversão qualitativa da subjetividade primaria dos “Eros de grupo” investindo afetiva e pragmaticamente em grupos humanos de diversos tamanhos. Um ponto pragmático seria a reapropriação da mídia por uma multidão de grupos-sujeito capazes de geri-la numa via de ressingularização.

  • Instauração de novos sistemas de valorização, arbitrando em campos de valor que não sejam decorrentes do lucro capitalista, mas valores existenciais e valores de desejo fundados nas produções existenciais dando chance a empreendimentos mais singulares.

  • A noção de interesse coletivo deveria ser ampliada a empreendimentos de curto prazo.


Ecologia Ambiental:

  • Tudo é possível tanto as piores catástrofes quanto as evoluções flexíveis. Engendrar territórios existenciais e Universos de referência pela lógica da ecologia mental e pelo princípio do “Eros de grupo” da ecologia social.

  • Conjurar o crescimento entrópico da subjetividade dominante.

  • Reconquista de um grau de autonomia criativa tomando o meio ambiente no ponto em que ele pode ser reinventado e recriado.

  • Cada vez mais os equilíbrios ambientais dependerão das intervenções humanas.

domingo, 3 de abril de 2011

TERRORISMO POÉTICO


Hakim Bey

Dançar bizarramente a noite inteira em caixas eletrônicos de bancos. Apresentações pirotécnicas não autorizadas. Land-art*, peças de argila que sugerem estranhos artefatos alienígenas espalhados em parques estaduais. Arrombe apartamentos, mas, em vez de roubar, deixe objetos Poético-terroristas.

Sequestre alguém e o faça feliz. Escolha alguém ao acaso e o convença de que é herdeiro de uma enorme, inútil e impressionante fortuna – digamos, cinco mil quilômetros quadrados na Antártica, um velho elefante de circo, um orfanato em Bombaim ou uma coleção de manuscritos de alquimia. Mais tarde, essa pessoa perceberá que por alguns momentos acreditou em algo extraordinário e talvez se sinta motivada a procurar um modo mais interessante de existência.

Coloque placas de bronze comemorativas nos lugares (públicos ou privados) onde você teve uma revelação ou viveu uma experiência sexual particularmente inesquecível etc.

Fique nu para simbolizar algo.

Organize uma greve na escola ou trabalho em protesto por eles não satisfazerem a sua necessidade de indolência e beleza espiritual.
A arte do grafite emprestou alguma graça aos horríveis vagões de metrô e sóbrios monumentos públicos – a arte – TP também pode ser criada para lugares públicos: poemas rabiscados nos lavabos dos tribunais, pequenos fetiches abandonados em parques e restaurantes, arte-xerox sob o limpador de pára-brisas de carros estacionados, slogans escritos com letras gigantes nas paredes de playgrounds, cartas anônimas enviadas a destinatários previamente eleitos ou escolhidos ao acaso (fraude postal), transmissões de rádio pirata, cimento fresco...

A reação do público ou o choque-estético produzido pelo TP tem que ser uma emoção pelo menos tão forte quanto o terror – profunda repugnância, tesão sexual, temor supersticioso, súbitas revelações intuitivas, angústia dadaísta – não importa se o TP é dirigido a apenas uma pessoa ou várias pessoas, se é ”assinado” ou anônimo: se não mudar a vida de alguém (além da do artista), ele falhou.

O TP é um ato num Teatro da Crueldade sem palco, sem fileiras de poltronas, sem ingressos ou paredes. Para que funcione, o TP deve afastar-se de forma categórica de todas as estruturas tradicionais para o consumo de arte (galerias, publicações, mídia). Mesmo as táticas de guerrilha Situacionista do teatro de rua talvez tenham agora setornado muito conhecidas e previsíveis. Uma requintada sedução levada adiante não apenas pela satisfação mútua, mas também como um ato consciente por uma vida deliberadamente mais bela – deve ser o TP definitivo. O Terrorista Poético comporta-se como um trapaceiro barato cuja meta não é dinheiro, mas MUDANÇA.

Não faça TP para outros artistas, faça-o para pessoas que não perceberão (pelo menos por alguns momentos) que o que você fez é arte. Evite categorias artísticas reconhecíveis, evite a política, não fique por perto para discutir, não seja sentimental; seja impiedoso, corra riscos, vandalize apenas o que precisa ser desfigurado, faça algo que as crianças lembrarão pelo resto da vida — mas só seja espontâneo quando a Musa do TP o tenha possuído.

Fantasie-se. Deixe um nome falso. Seja lendário. O melhor TP é contra a lei, masnão seja pego. Arte como crime; crime como arte.


* Tipo de arte que usa a paisagem, normalmente natural, como objeto artístico, sendo a própria natureza (e seus fenômenos, chuva, vento, etc.) elementos constitutivos da obra.