O filósofo Félix Guatari expõe, em seu livro "As Três Ecologias" um paradoxo vivido em nossa época que é o crescimento dos recursos técnico-científicos X desenvolvimento do progresso social e cultural. De um lado temos o desenvolvimento contínuo de novos meios técnico-científicos capazes de resolver as problemáticas ecológicas e de outro lado a incapacidade das forças sociais organizadas e das formações subjetivas de se apropriar desses meios para torná-los operativos.
É absurdo tentar voltar atrás para tentar reconstituir antigas maneiras de viver. É necessário lidar com o mundo nas condições em que ele se encontra hoje apreendendo a realidade a partir dos três pontos de vista ecológicos (ambiental, social, individual) ampliados em uma perspetiva ecosófica, pois, não é justo separar a ação sobre a psiquê daquela sobre o socius e meio ambiente.
A multiplicação dos antagonismos no planeta torna a problemática ecológica transversal à outros tipos de conflitos como racismo, feminismo, falocentrismo, etc. Portanto, não se trata mais de fazer funcionar uma ideologia de maneira unívoca e sim, de se debruçar sobre o que poderiam ser os dispositivos de produção de subjetividade no sentido de uma re-singularização individual e/ou coletiva. Reinventar novas maneiras de ser no seio do casal, da família, do trabalho, do contexto urbano, etc.. Tal problemática é da produção da existência humana em novos contextos históricos.
O autor faz votos para que as tomadas de consciência ecológica, feminista, anti-racista, etc., tenham um objetivo maior: os modos de produção da subjetividade, pois, o poder capitalista se desterritorializou infiltrando-se nos estratos subjetivos inconscientes. É imperativo encarar seus efeitos no domínio da ecologia mental cultivando o dissenso e a produção singular de existência situando-se na raiz de novos agenciamentos produtivos.
É importante que, no estabelecimento de seus pontos de referência cartográficos, as três ecologias se desprendam dos paradigmas pseudocientíficos num processo de desterritorialização rompendo com seus encaixes totalizantes e subjugando, assim, seus conjuntos referenciais. As práxis ecológicas se esforçarão em detectar os vetores de fuga potenciais de subjetivação e singularização apelando para outras intensidades a fim de compor outras configurações existenciais.
Nas teorias psicanalíticas contemporâneas o inconsciente permanece agarrado em fixações arcaicas no que se pode chamar de “estruturalização” dos complexos inconscientes, conduzindo a um ressecamento, a um dogmatismo insuportável, a estereótipos que os tornam impermeáveis à alteridade dos sujeitos e consequentemente um empobrecimento das intervenções nos pacientes. Por isso, é necessário um engajamento de todos aqueles que estão em posição de intervir nas instâncias psíquicas individuais e coletivas (através da educação, saúde, cultura, esporte, arte, mídia, moda).
O Capitalismo Mundial Integrado(CMI) tende, cada vez mais, a descentrar seu foco da produção de bens e serviços para as estruturas produtoras de signos, sintaxe e subjetividade através da mídia e da propaganda.
Princípio Comum
O princípio comum às três ecologias consiste em territórios existenciais singularizados em abertura processual capazes de se bifurcar em reiterações estratificadas. Em outras palavras, Guatari propõe a produção da subjetividade dissidente com valor existencial de auto-referência em zonas autônomas que se recriam e se reinventam continuamente e se multiplicam por desterritorialização e reterritorialização.
Princípios Específicos
Ecologia mental:
Produção de subjetividade primária; cadeias semióticas trabalhando a serviço de um efeito de auto-referência existencial;
Vetores de subjetivação geradores de subjetividade dissidente.
Recriar e reconstruir modos de expressão adequados aos territórios existenciais da negatividade, agressão e destruição a partir de novos agenciamentos subjetivos de enunciação.
Essa reconstrução não passa por reformas de cúpula, leis, decretos ou programas burocráticos, mas pela promoção de práticas inovadoras, disseminação de experiências alternativas e no trabalho permanente de produção da subjetividade se articulando ao restante da sociedade.
Ecologia Social:
Reconversão qualitativa da subjetividade primaria dos “Eros de grupo” investindo afetiva e pragmaticamente em grupos humanos de diversos tamanhos. Um ponto pragmático seria a reapropriação da mídia por uma multidão de grupos-sujeito capazes de geri-la numa via de ressingularização.
Instauração de novos sistemas de valorização, arbitrando em campos de valor que não sejam decorrentes do lucro capitalista, mas valores existenciais e valores de desejo fundados nas produções existenciais dando chance a empreendimentos mais singulares.
A noção de interesse coletivo deveria ser ampliada a empreendimentos de curto prazo.
Ecologia Ambiental:
Tudo é possível tanto as piores catástrofes quanto as evoluções flexíveis. Engendrar territórios existenciais e Universos de referência pela lógica da ecologia mental e pelo princípio do “Eros de grupo” da ecologia social.
Conjurar o crescimento entrópico da subjetividade dominante.
Reconquista de um grau de autonomia criativa tomando o meio ambiente no ponto em que ele pode ser reinventado e recriado.
Cada vez mais os equilíbrios ambientais dependerão das intervenções humanas.